quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Energia certa

Davi era um jovem de boa família, bonito e, acima de tudo, bom menino; ele queria continuar assim e ainda desejava que a generosidade o acompanhasse por todo e qualquer lugar. Às vezes, falava consigo mesmo:
- Procurarei sempre levar comigo a bondade, pois sei que a juventude e a beleza me deixarão um dia. A gentileza, talvez, seja um dom eterno do espírito - mas ser jovem e ser belo, certamente, é coisa passageira.
Embora Davi tivesse a convicção de que fazer o bem, de forma intensa, fosse seu objetivo maior, ele se via frente a um terrível contraditório nas vezes em que surgia uma estranha voz em seus ouvidos:
- Como ajudará a todos, se em uma única vida por aqui, por mais longa que ela seja, você nem sequer terá o mínimo contato com metade dos que deseja auxiliar?
Aquela voz era tão decepcionante quanto uma ducha de água fria no inverno. Nessas horas, Davi voltava ao singelo espaço onde vivia, e sonhava, e pensava: “Se meu objetivo é de otimismo demasiado, então, passarei a fazer jus à coerência - tentarei alcançar só um ou dois indivíduos que precisem de mim.”
Mas, sempre que ele pensava em poucos peixes para seu lago de solidariedade, a rede de mais uma triste contradição pescava seu pensamento:
- Davi, por que achar que você é capaz de tão pouco, quando há uma imensidão de necessitados que almejam ir ao encontro dos frutos do seu otimismo?
O garoto quase morria de tanto que lhe apareciam esses dois lados da moeda. Pensava, pensava, pensava e a nenhuma conclusão chegava. Para que se haja uma expansão, deve-se conhecer o exterior ou, ao menos, querer conhecê-lo. Davi o quis. Por esse motivo, e de tanto que se esforçou em acabar com o impasse, teve ele a brilhante idéia de procurar dois amigos, Lucas e Antônio, um pessimista, outro otimista, este ambicioso e o pessimista sem ambição alguma; assim, poderia conversar com eles e ver se chegava a alguma conclusão que pudesse sanar as dúvidas que tinha.
Pôs a idéia em prática, foi à procura de ambos. Deu sorte. Logo de saída, encontrou Lucas na rua e não perdeu tempo:
- Lucas, vamos mudar o mundo?
- Não tanto assim!
- Vamos mudar o planeta?
- Menos!
- Já sei, vamos mudar o país?
- Menos, menos!
- Vamos mudar a cidade?
- Menos, menos!
- Ah, tá bom, vamos mudar o bairro?
- Menos, menos, menos...
E lá foi Davi, decepcionado com a falta de perspectiva do seu amigo Lucas. Eles tanto eram amigos como as diferenças que havia entre ambos.
Logo adiante, deu de cara com Antônio, sentado num banco, em uma praça, preocupado em olhar as pessoas e tudo aquilo que estava à sua volta; preocupava-se em ver, também, o céu e as claras nuvens que pairavam sobre ele. A sensação foi de que Antônio quisesse captar algo que lhe rendesse valiosos frutos. Davi ficou curioso, mesmo sabendo que observar, admirar, estudar e pesquisar os seres e as coisas sempre foram característicos dele, Antônio. Aproximou-se e disse:
- Antônio, vamos mudar o bairro?
- Um pouco mais!
- Vamos mudar a cidade?
- Mais!
- Vamos mudar o país?
- Mais, mais!
- Vamos mudar o planeta?
- Mais, mais!
- Então, é isso, vamos mudar o mundo.
- Mais, mais, mais...
Davi voltou para casa; e a dúvida, que outrora o atormentava, agora o consumia quase por inteiro:
- “Ah, meu Deus, o que devo fazer, muito bem ou pouco bem?” Perguntava ao seu dEUs.
Mas, finalmente, tom suave e delicado, lá veio a voz que ele tanto esperava ouvir e que lhe parecia a mais sábia de todas:
- Davi, não se contente com o pouco, mas nem por isso exceda o limite do que está ao seu alcance; entre o pouco e o muito está o meio termo - e, olha, esse quase sempre é o mais viável aos que não querem deixar a real felicidade de lado.
Depois daquilo, o jovem respirou. Foi a alavanca para que pudesse consigo mesmo se encontrar e descobrir o que realmente pretendia fazer dali por diante: viajar para bem longe, para lugares onde trabalharia em organizações filantrópicas de várias espécies, para lugares onde sua vontade de ajudar encontraria o afago do anseio por caridade dos oprimidos.
E ele fez: saiu de onde morava e permaneceu um longo período ausente. Longo período mesmo, tão longo que, quando Davi retornou de sua solidária e proveitosa viagem, as crianças já eram adultas e muitos dos idosos de onde ele morava já haviam falecido. Mas o fato que lhe causou espanto foi bem outro: a visita de seus dois amigos, Antônio e Lucas, com os quais não falava, e nem via, fazia tempo.
Ele ficou abismado, porque seus dois amigos não chegaram apenas: Antônio, o que era ambicioso e otimista, invadiu o terreno da casa de Davi, com um automóvel velho no qual sua mulher grávida e seus cinco filhos o acompanhavam; Lucas, o não-ambicioso e que era pessimista, surgiu de forma triunfal, com uma das versões mais atuais e caras de um bonito modelo de carro e roupagem que parecia valer mais do que o próprio veículo, além de um motorista todo uniformizado.
Davi conversou com os dois e viu que Antônio e Lucas não estavam felizes com o que passaram a ser. Apesar disso, Antônio, o que antes queria muito, agora nem liga para nada; Lucas, o que nada queria, agora só pensa em coisas materiais. Por isso, Davi se sentiu na obrigação de dizer algo aos amigos. Até mesmo porque, no tempo em que ele esteve fora, além de ter aprendido muito, observou que o ato de adquirir conhecimento não deve ter outra coisa como meta, senão estar sempre disposto a passá-lo adiante - sempre que preciso for. Davi fez para os amigos a ilustração que foi a maior lição de toda a sua vida:
- Não devemos nos contentar com o pouco e nem querermos exceder o limite do que está ao nosso alcance. Sigamos o exemplo da borda de uma moeda, que pode até rolar e levá-la aos mais diversos lugares, e não o das outras duas partes, pois a cara e a coroa sempre perdem ou ganham nas vezes em que são jogadas ao ar. Sejam bordas: fazer isso é sempre estar atento e pronto para uma possível caminhada na dose certa, sem ter que se preocupar com fracassos posteriores.
Depois disso, Antônio e Lucas conseguiram enxergar, assim como Davi havia percebido há tempos, que muitas das teorias, teses e idéias nas quais acreditamos e as quais defendemos, muitas vezes com fervor, são relativas ao momento de cada um e variam de acordo com o tempo.
E Davi fez questão de dar mais firmeza ao recado:
- A instabilidade existe. Tanto é que vocês são hoje exatamente o contrário do que eram; e poderão ser, quem sabe, de outra maneira no futuro. Por isso, não devemos criticar a forma de agir dos outros, principalmente quando são atitudes plausíveis. A verdadeira mudança não começa nem no bairro, nem no mundo; nem no planeta, nem na cidade; e nem no país. Sempre que nos propusermos a modificar para melhor o nosso interior - isso trará um bem inestimável para nós e para todos aqueles que nos cercam. A mudança que começa em nós expande-se e torna o mundo melhor.
Davi não teve dúvida alguma de que Antônio e Lucas haviam escutado tudo o que ele dissera e teve plena convicção de que os dois tentariam absorver algo de proveitoso da lição que tiveram. Antônio e Lucas foram embora, cada qual com o que escolheu para si até aquele dia. E a vida continuou.

Teimosia

Se pudesse eu faria,
Mas tento e não consigo.
Não posso, mas gostaria.
O que haverá comigo?

Na ânsia de conseguir,
Eu tento com teimosia.
Como querer o sol à noite,
Como querer a lua de dia.

Mesmo apesar de saber
Que teimosia não é qualidade,
Teimo e, sem querer,
Utilizo a vaidade.

Sei que os maus pensamentos
Influem no meu teimar,
Levam-me aos fortes ventos,
Afogam-me em pleno mar;

Eles enchem o meu viver
De vontades e tropeções,
Duvidam do meu poder
Só com imaginações;

Eles tocam no meu profundo
Com imaginárias afirmações,
Trazem para o meu mundo
Complexas interrogações:

Será que um dia consigo
Ou nunca irei conseguir?
A resposta estará comigo
Ou perambulando por aí?

Sentimento

Há tristeza para expressar
Poético desencanto.
Agora, estou a atravessar
Um pranto sem acalanto.

Adormecido não vejo
A gotícula escondida;
Lágrima que não desejo,
Mas sempre surge na vida.

A imensidão do vazio
Faz transbordar-se em minha alma.
Aflige-me com um frio
Que faz congelar minha calma.

Um amor com ritmo inverso
Quase que me faz fraquejar.
Trás morte em meu universo,
E desponta vida em meu ar.

Acho, contudo, esperança
Nesse momento profundo:
Há dor e amor na balança;
Vejo ódio e rancor no mundo.

Passagens inevitáveis

Ontem atravessei
A barreira da razão.
Fingi saber que não sei
Viver na imensidão.

Hoje, me deparei
Com a pura desilusão.
Achei o que procurei:
Eu e a solidão.

Passou por mim a lembrança
De um passado com esperança.
Ficou para mim o presente
Do passado de uma criança.

Mal eu podia crer
Que estava para acontecer
Triste coisa fatal.
Ao chegar do anoitecer,
Faz-se aparecer
A dor de um golpe final.

A nuvem escureceu.
O céu desabou sobre mim.
A terra estremeceu,
Perante tal coisa assim.

As flores mais belas murcharam
E caíram em solo encharcado
Com vastas desilusões
De um poeta fracassado.

Fiquei sem o que fazer
Para mudar o meu triste destino.
Depois de um forte abraço,
Vi-me fraco, chorando, sorrindo.

Perguntava: tudo isso por quê?
Questionava o motivo da vida.
Esperava que pudesse valer
O preço da vida sofrida.

Foi difícil, contudo, achar
Motivos que me fizessem lembrar
Razões para isso comigo.
Para ser aprovado, porém,
Sei, é preciso passar
Pela prova chamada castigo.

O que fazer

Mudar o que está em mim,
Isso eu não posso fazer.
Estranho, pois sou assim:
Um louco pelo saber.

Sei e quero saber mais -
Faz parte do meu viver.
Não sou igual aos meus pais.
Meus filhos como irão ser?

Sei responder exato:
Eles serão meus filhos.
Outros tato e olfato,
Seres em outros trilhos;

Caminhos a percorrer
Da forma que for melhor.
Saber ajuda a saber:
Melhor jamais é o pior.

Aqui, na vida, é assim:
Quem vem precisa aprender.
Pois antes, bem antes do fim,
Há muito o que se escolher.

E o final nada mais é
Que novo recomeçar.
Por isso, fico de pé,
Não deixo de caminhar.

Não sei, porém, que fazer;
Não sei o que procurar,
Mesmo aprendendo a saber,
Um dia vou encontrar.

NaLua

Tu eras a música,
Cantando;
A música era tu.
É incrível.
Como pode a beleza,
A harmonia
E o sol
Caberem num corpo de mulher?
Tua boca professava poesias
Em forma de canção;
Teus olhos radiantes
Iluminavam o ambiente.
Tua canção era consolo,
Era alegria;
Tua voz,
Instrumento dos deuses.
Incrível.
O que fazes
No planeta dos humanos?
Bela,
Harmônica
E Iluminada,
Por que deixastes os céus
E viestes
À Terra, naLua.

O aniversário

A hora está chegando.
Quanto mais os dias passam,
Menos dias temos na vida
Aqui.
Por que isso?
Não entendo.
Ora,
Tempo bendito,
Fazei de mim o que queres.
Mas deixai
Também
Que eu faça de ti
Um instrumento de minha evolução.
Passam os segundos,
Passam os minutos,
Passam as horas,
Os dias,
As semanas,
Os meses,
O ano...
Então,
Reflito:
Já não sou mais o que era antes
E, provavelmente,
Serei,
Mais adiante,
Diferente do que hoje sou.
Percebo tal coisa,
A renovação,
No decorrer dos anos.
Mas não deixo de saber
Que, na passagem dos segundos
E dos centésimos,
Dos décimos
E dos milésimos,
Posso mudar tudo que está para vir
Ou passar uma borracha
Em tudo que já se foi.
A hora está chegando.
O aniversário.

Chorar, choro

Que lágrimas foram aquelas,
Oriundas de vistas tão belas,
Sem que se soubessem o porquê.
Muitas lágrimas caem
Da face de muitos mortais,
As que vi, porém, jorravam,
Não caiam.
Jorravam.
Cataratas que vieram dos céus;
Chuvas também celestiais.
Não, não pode.
Não pode os céus chorarem.
Seus habitantes são alegres.
Ao menos é o que dizem.
Choram os deuses?
Choram as deusas?
Os mortais choram.
Choram os mortais.
A morte os fazem chorar,
A vida também o faz.
A fome leva a alegria
Para bem distante do homem.
Alegria viaja.
A fartura traz a alegria de volta.
Alegria regressa.
Fome de carinho, de desejo, de paixão,
De amor, de piedade, de compaixão,
De conhecimento, de sabedoria...
Fartura de tudo isso.
Fome de tristeza;
Fartura de alegria.
Alegria viaja,
Tristeza regressa;
Alegria regressa,
Tristeza viaja.
Choros não são ruins.
Chorar é que o é.
Chorar é ruim.
Choros não o são.
Quem chora, chora de algo.
E não há nada porque chorar.
As águas lacrimais da alma
São pérolas das divindades:
Enobrecem, enaltecem, enriquecem.
Retificam. Purificam. Santificam.
Deificam.
Aquelas lágrimas eram nobres,
E ricas, e santas, e deusas.
O homem
Chora.
O homem,
Choros.

Bela

Jamais poderia eu imaginar,
Em minha mente tomada por afagos
Sem amor, por um amor sem esperança,
Que se tornasse tão nítida ao meu olhar
Bela mulher, com a alma de criança.

Mesmo em meio às brincadeiras não posso
Disfarçar a timidez, quando te vejo.
Contudo, ao ouvires que és bela,
Falam eu, meu amor e meu desejo.

As luzes

... As luzes se acendiam...
Se apagavam...
Se acendiam, se apagavam...
Se acendiam.
Se apagavam. Se acendiam.
Por que se apagavam as luzes?
Por que elas se acendiam?
Por que apagam?
Por que acendem?
E as luzes... se apagavam,
As luzes se acendiam... se apagavam...
Se acendiam,
Se apagavam...

Amor dos olhos meus

Enxergo a imensidão,
Ohos que transmitem a raridade do amor.
E nesse amor há beleza.
Por quê,
Como,
Onde
Ou quando floresceu a paixão?
Pouco importa.
Sei apenas que algo bom
Bombardeou meu coração.
E agora,
Que faço com esse amor?
Serei mais um eternamente
Na vida da Deusa das Deusas
Ou a raridade do amor
Dos olhos seus
Fará acender
A chama da paixão
E lhe permitirá sentir
O calor dos beijos
E o afago dos abraços meus.